Estado

O Estado

O Estado é a mais complexa de todas as instituições políticas. Por isso predominou deste o fim do século XIX a noção de que a Política era a “Ciência do Estado”, definição que o prof. Marcel Prélot, ampliou para considerar a Ciência Política como o “Conhecimento sistemático e ordenado dos fenômenos concernente ao Estado”. A complexidade da mais preponderante das instituições política decorre de muitas razões. Uma delas é que se trata de um conceito tanto diz respeito á Ciência Política e ao Direito, quanto a Sociologia, à Ideologia e à filosofia política.
Segundo as definições decorrentes no Direito Publico, o Estado é a instituição Composta de três elementos essenciais: população, território e governo e de um requisito que lhe é inerente, a soberania. Se não dispõe de soberania, trata- se de um Estado não soberano. Se não possui qualquer dos três componentes que o integram, não é um Estado. Entretanto, a importância dessa instituição, não se esgota em sua caracterização jurídica, nem em sua caracterização sociológica. A primeira grande contribuição da conceituação do Estado contemporâneo como na realidade jurídica se deve a obra clássica de Georg Jelinek Doutrina Geral do Estado, publicada em 1900 e que pela primeira vez, estabeleceu na teoria de uns Estados uma distinção, ao estabelecer que o Estado seja, ao mesmo tempo, um órgão de produção jurídica, isto é, que produz o ornamento jurídico que rege a sociedade, a economia e as instituições políticas que o integram, mas é, também, o resultado de um ornamento jurídico, ou seja, é o produto daquelas leis que o configuram desta ou daquela forma, com estas ou aquelas características. Em outras palavras, é como se fosse uma instituição dotada de duas personalidades distintas, uma social, outra jurídica.
A teoria desenvolvida por Jelinek se baseia na afirmação de que a doutrina social do Estado “tem por conteúdo a existência objetiva, histórica ou natural do Estado”, enquanto a doutrina jurídica se ocupa das “normas jurídicas que nessa existência real se manifestam, criando a famosa contraposição entre as esferas do “ser” e do “dever ser”. Fazendo essa mesma abordagem, do ponto de vista da sociologia jurídica, da qual um dos fundadores, Max Weber foi quem primeiro estabeleceu à necessidade de se entender a diferença entre a validade ideal das normas jurídicas, de que se ocupam os juristas, e a validade empírica, da qual se ocupam os sociólogos. O que ele pretendeu dizer com isto? Os juristas se ocupam de todo o conjunto das leis, que compõe o ornamento jurídico de cada Estado, independente de serem ou não aplicadas e da forma de serem aplicadas. Aos sociólogos interessa não o conjunto de todas as leis, mas dentro desse conjunto apenas aquelas que têm efetiva aplicação e são efetivamente obedecidas, seguidas e cumpridas. Trata-se, portanto, de dois enfoques para uma mesma realidade, o ornamento jurídico de cada Estado.
A primeira crítica à divisão estabelecida por Jelinek ao encarar o Estado como produtor de normas jurídicas e como resultado delas, se deve a Hans Kelsen, autor do famoso tratado Teoria Pura do Direito para quem o Estado é uma instituição diversa do conjunto de normas jurídicas que regulam suas atividades. De todas as teses do filosofo austríaco do Direito, aquela que reduziu o Estado à mera condição de ornamento jurídico, foi indiscutivelmente, a de maior sucesso entre os juristas. Com isso, a antiga concepção de que o Estado era produtor e produto do Direito, desapareceu para dar lugar à concepção hoje ponderante nos estudos da sociologia política que o encaram como a mais complexa forma de organização social e política, da qual o Direito é, tão-somente, um dos elementos constitutivos.


Duas Concepções Em Confronto
Referindo-se à complexidade do Estado como instituição, lembramos a pouco que, alem de interessar ao Direito, à Sociologia, à Ciência e a Filosofia política, o Estado é objeto também de uma preocupação ideológica. Tanto que em um de seus estudos sobre o Estado, o prof. Norberto Bobbio lembra que a obra de vários filósofos terminou por identificá-los como as diferentes formas que, ao longo da história, assumiram suas diversas modalidades de organização: “Hobbes com o Estado absoluto, Locke, com a monarquia parlamentar, Montesquieu com o Estado limitado, Rousseau com a democracia, Hegel com a monarquia constitucional.
Segundo o mestre italiano, a duas concepções conflitantes sobre o papel do Estado no conjunto do sistema social, considerado em sua totalidade. A primeira é de origem ideológica, e se baseia no modelo marxista. De acordo com este modelo, em toda sociedade, a partir de certo estágio do desenvolvimento econômico por que passam todas as nações, sobrevivem duas instancias que tem peso e papel diferenciado, no que se refere ao seu peso determinante e à sua capacidade de determinar tanto o desenvolvimento econômico quanto a possibilidade da passagem de um sistema a outro. Essa duas instâncias são a base ou infra-estrutura econômica e a superestrutura. As instituições políticas, ou seja, o Estado pertence à superestrutura. As instituições econômicas, ai compreendidas as relações econômicas, pertencem à infra-estrutura. São essas relações que estabelecem, em cada época, uma determinada forma de produção, e por isso a infra-estrutura econômica é a instância determinante. Exemplificando, se a infra-estrutura de uma determinada época é de natureza feudal, isto é, uma economia auto-suficiente e insulada, restrigindo- se as trocas ao escambo, esse modo de produção será determinante da superestrutura política. Por isso ela será necessariamente também medieval calçada num tipo de dominação política caracterizada pelo monopólio da posse da terra pelos proprietários que estabelecem, com aqueles que a trabalham, uma relação de dependência característica do feudalismo, a servidão. Quando uma infra-estrutura for modificada, modifica também a superestrutura política, o Estado, que passa a adquirir uma nova feição, uma organização e uma estrutura compatíveis coma infra-estrutura econômica. Em outras palavras, na configuração política do Estado, a infra-estrutura econômica é variável condicionalmente e as instituições políticas a variável condicionada.
A outra concepção não é de natureza ideológica, mas sociológica, contrapõe- se a primeira e é devido a Talcott Parsons, o sociólogo americano autor da obra O Sistema Social e fundador da concepção “funcionalista”, assim denominada porque enfatiza não estrutura organizacional das instituições, mas a sua funcionalidade. Em outras palavras, tem a ver com o funcionamento do sistema e não com sua estrutura ou organização. Segundo os funcionalistas, o Estado é considerado um sistema que deve cumprir, simultaneamente, quatro funções, determinadas pelos quatros subsistemas que compõem. Cada um desses subsistemas é caracterizado pelas funções que cada um desenvolve, para a conservação do equilíbrio social, sendo, portanto, independente entre si, ao contrário da concepção marxista em que as duas esfera ou instâncias são interdependentes, uma condicionante e a outra condicionada. Esses quatros funções são definidos, como:
Manutenção da parceria ou cooperação.
O cumprimento de objetivos, ou atendimento de metas.
A adaptação.
A integração.
   A o subsistema político cabe a função de cumprimento de objetivos ou atendimento de metas, necessárias à manutenção do equilíbrio do sistema.
A contraposição das duas concepções reside na circunstância de que a tese funcionalista se preocupa com a questão da conservação social, isto é, a manutenção da integridade do sistema. Já a tese marxista dá ênfase à manutenção ou transformação social do sistema e não à sua manutenção. Como ensina Bobbio, o que divide as duas concepções é que uma privilegia a coesão do sistema e a outra os seus antagonismos. Por isso, os funcionalistas são chamados de integracionistas e a concepção marxista de conflitualista. Ambas as concepções, embora calçadas em fundamento antagônico entendam as instituições como integrantes de um todo que cumpre, com maior ou menor grau de integração, funções que levam ao seu fortalecimento ou a sua fragmentação. Esta constatação fortaleceu, nos últimos anos, a concepção sistemática do Estado imaginada como uma relação de entrada e saída, comparável a uma linha de perguntas e respostas, ou de demandadas e decisões.
O canal de entrada no sistema política é alimentado pelas demandas da sociedade, que também podem ser tomadas com apoios ou reivindicações, processadas pelos diferentes órgãos do governo, titular do poder do Estado, saem do sistema como decisões ou deliberações que provocarão novas reações na sociedade que podem ser de apoio ou de repúdio, gerando ou não novas demandas que retroalimentam o sistema que por sua vez responde com novas decisões e deliberações. Esta concepção leva em conta e dá enorme importância a dois componentes vitais do processo político: a comunicação e a opinião pública.
O mais curioso quando se examina a evolução das concepções da Filosofia, da Ciência, da Sociologia e da Ideologia sobre o papel do Estado, é observar como concepções aparentemente tão antagônicas, como o socialismo marxista, o socialismo democrático, e o liberalismo encaram de forma tão paralela o seu futuro. Todas essas ideologias tinham, com maior ou menor intensidade, a aspiração de ver diminuído o seu papel. No caso do socialismo marxista, por traduzi-lo, como fez Engels, em simples instrumento de dominação de uma classe sobre outra. Por isso Marx escreveu que “a ideologia dominante em cada período, é sempre a ideologia da classe dominante”. E neste caso, seu raciocínio é lógico e incontrastável. Se a ideologia dominante não fosse à ideologia dominante, a que estar no poder não seria classe dominante. Como na ideologia marxista a sociedade socialista seria uma sociedade sem classes, em que desapareceria a luta de classe, à medida que isso ocorresse o Estado perderia sua função e seu destino seria o desaparecimento. Isto explica por que Marx que idealizou uma teoria da história, com o materialismo dialético, um sistema econômico, a partir de O Capital, uma filosofia política com a concepção do comunismo e uma ideologia que terminou derivando sua denominação de seu próprio nome, nunca se preocuparam em elaborar uma teoria do estado. Tratava – se, para ele, de uma instituição que, mais cedo ou mais tarde, iria desaparecer.
O mesmo se verifica em todas as utopias do socialismo democrático, em que a grande transformação consistiria em transformar o Estado, de agente opressor e instrumento de dominação de classes, em veiculo de justiça social, de incentivador da igualdade econômica e da justiça distributiva com que se preocupam primeiro Saint-Simon, com sua Filosofia da Miséria e mais tarde Proudhon, tanto no livro O que é propriedade, Quanto nas explicações que dá nas suas memórias, em Carta a Blanqui e na Carta a Considérant. Aspirações que ele tentou implantar no sistema de trocas, denominado por ele de “mutualismo” e em seu Banco do Povo que nunca logrou concretizar.
Não é diferente o ideário do liberalismo que advogou, desde inicio, a concepção do Estado mínimo. Mais do que isso, os liberais como Thomas Paine, sempre consideraram o Estado fonte de todos os males e a sociedade de todos os bens, como neste trecho do livro O Senso Comum e a Crise:
“A sociedade é um produto de suas necessidades, e o governo de nossas perversidades; a primeira promove nossa felicidade positivamente, unindo nossos afetos; o segundo, negativamente, criando nossos vícios. Um estimula as relações, o outro cria as distinções. A primeira protege o segundo castiga. A sociedade é, em quaisquer condições, uma benção; o governo, na mesma forma superior, não é senão, um mal necessário, e na sua pior forma, um mal insuportável.”
Entretanto, a evolução do Estado contemporâneo aponta exatamente no sentido contrário. Embora o Protagonismo da sociedade tenha sido cada vez maior, com conquistas como as declarações de direito e universalização do direito do voto, o Estado, em nenhuma parte do mundo parou de crescer, de expandir seu poder e de tornar incontrastável o seu papel dominador. Qualquer que seja a concepção sob a qual examinemos o papel do Estado é preciso entendê- lo como a mais importante instituição política, mas também como uma realidade da polis sob a qual viveram os gregos, a da res. publica, sob a qual viveram os romanos, nem o foedus no qual viveram os servos, durante a maior parte da Idade Média. Tal como concebemos hoje, o estado é produto da Idade Moderna, com o aparecimento do chamado Estado “nacional” supostamente calçado no principio das nacionalidades. Estamos nos referindo, portanto, ao Estado unificado, com uma administração centralizada, e dotado do monopólio do emprego da força para reduzir á obediência os seus súditos. Não é ainda necessariamente, nem o Estado limitado por uma Constituição, o Estado de direito democrático tal como hoje conhecemos. Como o uso da força legitima é a principal característica do Estado Moderno tem que admitir que o poder continue sendo o principal recurso, o mais eficaz instrumento e a reserva a que sempre recorre o Estado, como meio de conservação.
POR:THAIS BARBOSA